Minha vida durante a quarentena
A pandemia pegou a todos de surpresa. Apesar dos casos graves, inicialmente na Itália, não imaginamos que chegaria ao Brasil tão rapidamente. No momento que voltávamos das férias coletivas no início de março, após o carnaval, achando que iríamos começar o ano, tivemos de dar férias novamente para todos os funcionários. Fomos obrigados a suspender as atividades eletivas por seis semanas, de meados de março até o final de abril. Nesse período, seguimos atendendo apenas as urgências e emergências.
Na metade de maio, a partir da liberação dos órgãos de saúde, comunicamos os pacientes que estávamos voltando com os atendimentos eletivos. Muitos dos que já estavam em atendimento antes da pandemia retornaram a clínica para finalizar seus tratamentos. Porém, poucos clientes novos buscaram nossos cuidados. Nesse período, a pandemia se agravou, e o Estado do Rio Grande do Sul decretou bandeira vermelha e o número de atendimentos reduziu ainda mais.
Durante quase 60 dias, eu e a Monique praticamente não saímos de casa. Nosso filho Thiago fazia as compras necessárias e nos entregava. Nesse período, aproveitei para arrumar coisas na casa, que nunca tinha tempo para fazer até que, pelo longo tempo de quarentena, as tarefas terminaram. Depois, vieram os webinars. Passava grande parte do dia organizando as aulas e assistindo outras tantas. Além de alguma atividade física, aproveitamos também para reorganizar a parte administrativa da clínica.
Séries na TV e filmes também ajudaram, e foi também um tempo de reflexão e de reavaliação da vida, objetivos, perspectivas e futuro.
Costumo dizer que temos 3 diferentes grupos na clínica em relação ao impacto financeiro da pandemia. O primeiro, que recebeu seu salário integral durante todo esse tempo; o segundo, composto pelos colegas que não puderam produzir e não tiveram nenhuma renda durante esse período; e o terceiro, daqueles que, além de não terem nenhuma renda, ainda arcaram com todos os compromissos financeiros de uma clínica.
Como proprietário da clínica, foi preciso fazer investimentos e arcar com todos os custos fixos, que não cessaram. Posso dizer que tivemos um grande impacto financeiro, afinal já são mais de 7 meses totalmente atípicos, e sem nenhuma perspectiva de mudança a curto prazo.
Fizemos várias adaptações na clínica visando a proteção dos pacientes, profissionais e colaboradores, além de uma capacitação entre nossos funcionários para ajustarmos ainda mais os cuidados com a biossegurança e novos EPI’s. Reduzimos as poltronas na sala de espera, espalhamos dispensadores de álcool gel, colocamos um tapete sanitizante e um seco na entrada da sala, mandamos fazer um armário no corredor que dá acesso da sala de espera para os consultórios (para os pacientes colocarem bolsas, casacos, celulares, etc), mandamos fazer mais de 100 aventais de tecido para serem trocados pela equipe a cada paciente, campos fenestrados para o atendimento clínico e um grande investimento na aquisição de uma bomba de vácuo para névoa de spray, segurança contra o aerossol contaminado. A capacidade na ponta aspiradora é de 400L/min.
Os pacientes que chegam até a clínica percebem todo o cuidado presente e nos elogiam e expressam sua confiança ao serem atendidos. Porém, nos últimos dias, a contaminação pelo coronavírus em Porto Alegre ficou muito instável, aumentando o risco de colapso da rede hospitalar, uma curva ascendente de novos doentes e o cenário faz com que as pessoas busquem mais por atendimentos de urgências e emergências, adiando a procura por outros tipos de tratamentos. É natural e compreensível que esta situação deixe a todos mais cuidadosos e apreensivos.
Creio que há novos valores em ascensão e, pessoal e coletivamente, espero que esta tragédia nos sirva para reavaliarmos os rumos da humanidade, no sentido de mais generosidade, empatia, união e solidariedade. E menos destruição da natureza, mais cuidados com o ambiente e com a vida em geral. Como já disseram por aí, não existe mais o “normal”, não há como voltarmos a ele, precisamos reinventar um novo normal, novas e mais inteligentes formas de coexistir, trabalhar, produzir e viver.
Seguramente, levará um bom tempo para que a maioria das pessoas se sintam seguras de ir a um restaurante, shopping, ir a shows, frequentar locais e atividades que favoreçam a aglomeração de pessoas. Estamos gastando menos, consumindo menos e melhor, ficando mais em casa, trabalhando menos e gastando mais tempo a cada atendimento, e essa desaceleração do cotidiano não é só ruim, há coisas a serem aproveitadas neste movimento. A casa, a família, os amigos próximos, nossa saúde física e mental, nosso lazer e formas de realmente aproveitar a vida, tudo isso ganha um novo valor e sentido.
Não há como fazermos previsões, mas minha esperança é de que a partir de março de 2021, possamos, lentamente, nos recuperarmos não só economicamente, mas afetivamente, reunindo novamente os amigos e familiares e retomando plenamente nossas atividades profissionais. Enquanto isso, aguardamos todos por uma vacina e novas e mais eficientes possibilidades terapêuticas para os casos graves de pacientes com a COVID-19. Até agora, o que sabemos com certeza é que o vírus é extremamente perigoso e altamente contagioso. Portanto, até termos a vacina, é obrigação de todos seguir as recomendações das autoridades sanitárias, manter o afastamento social e cuidar uns dos outros.
Com uma única certeza, a de que tudo vai dar certo ao final!
Dr. Cícero Dinato.