Meu novo normal

No momento em que o vírus mostrou a disseminação inicial no norte da Itália, na última semana de fevereiro desse ano, eu estava com minha família em viagem de férias em Florença e Roma As primeiras notícias já trouxeram muitas preocupações e pudemos perceber a busca por álcool e máscaras e a falta desses produtos no comércio daquelas cidades.
Na semana seguinte, trabalhei em Portugal, ministrando um curso regular que temos lá há mais de 12 anos. Pude sentir o medo das pessoas pelo fato de eu ter vindo da Itália. Em Portugal ainda não havia nenhum caso e o noticiário era muito eloquente em relação ao aumento rápido de casos que a Itália estava vivenciando. Minha família ainda permanecia lá passeando e eu pude experimentar o sentimento de extremo medo em relação ao risco que corriam. Tomei todos os cuidados de distanciamento com alunos, pacientes e colegas, uma vez que tudo era muito novo. Todos brincavam dizendo que tinham medo da minha presença, mas no fundo eu sabia que havia uma verdade. Pude aí experimentar o sentimento de ser alguém transmissor do vírus (confesso que um sentimento muito ruim). Na semana seguinte, mais um curso lá (de carga imediata). A Elisa chegou para esse curso e os demais familiares retornaram ao Brasil, sem conseguirem comprar máscaras. As notícias de aumento rápido de casos na Itália seguiam. Em Portugal os noticiários criticavam muito o modo como eles estavam lidando com o problema, sem isolar a área de mais casos. A preocupação seguia com os familiares.
Graças a Deus, não manifestamos nenhum sintoma e quando retornei ao Brasil já fazia 15 dias que eu havia estado na Itália. Então, meu medo já era menor. Minha família já havia retornado e estava fazendo os 14 dias de isolamento que era recomendado. Nenhum deles apresentou sintomas. Mas, também sofreram em relação às críticas de pessoas quanto ao fato de termos estado na Itália. Mas, quem poderia adivinhar? Novamente experimentamos a sensação de ser agente transmissor. 
Terminado o período de isolamento, ainda atendi alguns pacientes no consultório, mas, logo a seguir começaram os casos no Brasil e houve o decreto de isolamento social. Fechamos o consultório e, estando em casa, aproveitei para me dedicar à escrita científica. Como tínhamos um plano de organizar um livro de implantodontia junto com o grupo de consultores científicos da Neodent, fiz contato com todos propondo que nos dedicássemos a escrever o material. Confesso que isso nos ajudou muito a ter objetivo nesse momento inicial. Momento em que ninguém sabia muito bem que rumo tomar. E o livro começou a tomar forma!
Logo nas semanas seguintes o Dr. Geninho e o Dr. Sérgio Bernardes fizeram contato mostrando o material que estavam elaborando voltado para biossegurança (Campanha #Conta comigo da Neodent), fato que me fez estudar para tentar entender o que seria necessário mudar. Isso fez com que fizéssemos muitas buscas de artigos. Eu lia tudo o que saia, sempre focada em publicações científicas. Ajudamos também a elaborar o material que resultou no Manual de desinfecção de moldes. Tudo isso foi muito importante e tem ajudado muitas pessoas a entender os cuidados necessários e executar as modificações em seus ambientes de trabalho. Também vale salientar a quantidade de atividades online que a Neodent organizou. Foram incontáveis atividades (Webnar, Lives, Projeto Win, Projeto My first implant, etc...) que participamos. Na Faculdade Ilapeo muito rapidamente foram instituídas as aulas online. O sistema funcionou bem e conseguimos assim manter os alunos em atividade, mesmo que parcial.
Por que conto tudo isso? Porque penso que talvez esses fatos tenham gerido minha postura, da minha filha Elisa, que trabalha comigo na clínica, e também de toda minha família. Tínhamos pacientes com tratamentos em andamento e sabíamos que tínhamos que atendê-los quanto às suas emergências. Trabalhamos com reabilitações grandes e todos sabemos que próteses provisórias exigem controles periódicos. Assim sendo, muito rapidamente a Elisa e eu instituímos as modificações associadas à nova realidade. Nesse início, todo o foco que a Neodent colocou na campanha de conscientização foi muito importante. Houve uma dificuldade inicial para encontrar os produtos. Meu marido chegou a buscar equipamentos de proteção individual em cidades vizinhas. Começamos obedecendo às recomendações de fazer apenas os atendimentos de emergência. Cada dia era um novo dia a ser vencido. Tivemos algumas preocupações maiores em relação ao isolamento, problemas com pacientes que se negavam a aderir aos cuidados, mas que foram conscientizados por nós. Informações falsas atrapalharam, e ainda atrapalham, muito. Acho que vivemos mais dificuldades pelo posicionamento ruim de algumas pessoas. Na verdade, ninguém conhecia, e ainda não se conhece hoje, o melhor caminho a seguir. Mas, no meu ponto de vista, posicionamentos que se apoiam em fatos concretos são sempre mais confiáveis. Seguimos as recomendações de adequação de horários, para que as funcionárias da clínica não circulassem nos horários de pico do transporte público, fechamos quanto foi recomendado. Tomamos todos os cuidados recomendados em relação ao modo de trabalho, e tivemos que nos adaptar.
Tivemos também que fazer isolamento total em duas ocasiões (por termos tido contato com pessoas que manifestaram a doença). Foram necessários testes, cuidados e isolamentos. Retornamos após o período e seguimos nossa rotina de cuidados.
Vivenciamos muitas tristezas: casos na minha família (irmãos), amigos, conhecidos, vizinhos, que graças a Deus se restabeleceram. Mas, também casos de amigos que partiram vítimas da doença.
Então, entendo que estamos em uma batalha. Seguimos estudando muito, lendo os textos científicos e tentando excluir informações de cunho político, uma vez que essas só atrapalham, não trazem nenhuma ajuda. Precisamos trabalhar, somos profissionais de saúde e nosso trabalho é importante para o bem estar da população. Não dá para nos escondermos por medo. Retornamos às aulas práticas também porque nossos alunos assim desejaram, entendendo a necessidade dos pacientes. Tomando todos os cuidados de isolamento e equipamentos de proteção. Vivenciamos a adequação que nossa escola, a Faculdade Ilapeo, fez muito rapidamente, o que nos permitiu também retornar os atendimentos clínicos. A adaptação minha e dos alunos de pós-graduação ao conteúdo online foi muito boa. Até hoje proponho manter o conteúdo teórico assim, e eles concordam. Penso que devemos ter uma postura de fazer o necessário evitando o risco desnecessário. Ter a mente aberta para adaptações traz grande ajuda.
Já me perguntaram várias vezes se não tenho medo. Penso que temos que exercer nossa profissão dentro dos mais rígidos cuidados. Conhecer os riscos faz com que desenvolvamos métodos para enfrentá-los. Nossa postura jamais pode ser negacionista. Acredito na ciência e nos pesquisadores. Venceremos essa batalha!
Ah! E a boa notícia: o livro está fantástico: Implantodontia Contemporânea! (spoiler). Aguardem....
Dra. Ivete Sartori